quinta-feira, 25 de julho de 2013

A dicotomia do modelo policial brasileiro


Francisco Xavier Medeiros de Castro*

O modelo policial brasileiro, sui generis por natureza, há tempos tem provocado a discussão inflamada quanto à necessidade de seu remodelamento. Isto porque o Brasil é um dos únicos países que possui o chamado “ciclo de polícia” de modo bi-compartimentado.Traduzindo: temos instituições policiais que exercem a função de polícia ostensiva e fardada (Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal e Polícia Militar), com a finalidade de apenas realizar as prisões e conduções à delegacia; e outras instituições policiais responsáveis, exclusivamente, pela apuração “pós-criminal” (Polícia Federal e Polícia Civil). O que deveria ser aceito como funções complementares acabou por se transformar em uma dicotomia institucional no decorrer dos anos.

A retórica da unificação das polícias brasileiras para que a partir de então haja apenas uma única instituição policial para prender, conduzir as partes à delegacia e realizar o Inquérito Policial perturba não só delegados e coronéis que sentem seus “reinos” corporativos ameaçados. Uma brusca mudança na cultura policial, ocasionada pela criação de uma polícia única, preocupará, sobremaneira, os profissionais que se posicionam na linha de frente da Segurança Pública: os agentes, escrivães e praças policiais militares, profissionais que se mantêm distantes das decisões estratégicas que definem o rumo das referidas instituições. “O que seremos a partir de então? Como seremos denominados? A quem estaremos subordinados?” são os questionamentos mais recorrentes no meio policial quando o assunto discorre sobre a fusão entre Polícia Militar e Polícia Civil nas esferas estaduais.

A título de exemplo, o Estado do Pará, em meados do ano 2000, lançou uma estratégia, no mínimo interessante, para fazer frente ao lobby político da unificação das polícias que ganhava força na época. O Estado implementou um programa que apresentava uma série de ações conjuntas entre a Polícia Militar e a Polícia Civil, que abrangia desde a formação policial, através da criação de academias policiais de formação integrada, até a construção das chamadas “Zonas de Policiamento”, que congregavam Delegacia e Quartel Policial Militar em um espaço físico único. Com o slogan “Segurança Pública: integrar para não unificar”, o Estado do Pará conseguiu promover a integração operacional de suas instituições de segurança, através do compartilhamento de rotinas administrativas e de procedimentos operacionais, mostrando que, para que isso ocorra, não há necessidade da unificação das polícias.

Outro ponto de argumentação daqueles que desejam a fusão das instituições policiais é expresso pela condenação do militarismo como base organizacional da polícia ostensiva de preservação da ordem pública, justificando que essa modalidade de policiamento não necessita de uma estrutura militarizada para a sua realização. Esta ideia pode ser contraposta, no entanto, com a opinião de que o militarismo, levado a termo de modo racional, ético e coerente, chega a ser um ingrediente reforçador da disciplina e do comprometimento consciente do profissional, traduzido pela padronização de técnicas e normatização de procedimentos que regulam a ação cotidiana dos policiais.

A distorção pode ocorrer, e de modo isolado, quanto à má utilização dos pilares da hierarquia e da disciplina por parte de alguns gestores que, de modo mecânico, sobrepõem o adjetivo “militar” ao substantivo “polícia”, desviando o foco da atuação policial que, nos termos constitucionais, deve ser voltado para a preservação da ordem pública e proteção da sociedade, revestida e complementada pelo caráter militar.

Não restam dúvidas que uma readequação do modelo policial se faz necessário; mas esta remodelagem pode e deve manter a funcionalidade e a independência integrada entre as instituições policiais. Uma sugestão que pode ser defendida em curto prazo, e com alto grau de viabilidade, seria uma dupla adequação do atual modelo policial, que consistiria, primeiramente, na atribuição de um ciclo completo de polícia (porém restringido), no qual a Polícia Militar ficaria responsável pela confecção dos termos circunstanciados de ocorrências, nos casos das contravenções penais e dos crimes de menor potencial ofensivo, diminuindo, desta feita, o tempo e o desgaste das guarnições policiais ao terem que apresentar tais ocorrências nas delegacias. Isto não seria novidade, visto que tal modelo já é adotado em algumas unidades da federação.

A segunda parte desta adequação consistiria na busca de uma padronização nacional entre as polícias, nos aspectos relativos ao recrutamento e seleção, procedimentos operacionais e administrativos, equipamentos e viaturas, e também ao incentivo à produção e publicações científicas da área policial.

Por fim, fica ressaltada a opinião de que a unificação, por si só, não garante a extinção dos problemas que afetam a dinâmica das instituições policiais, correndo-se o risco de apenas concentrar todos os problemas em uma única instituição, sem que se efetive uma mudança concreta e perceptível aos olhos da sociedade.

*Capitão da Polícia Militar, graduado em Ciências de Defesa Social e Mestrando em Ciências Policiais de Segurança e da Ordem Pública

Fonte: FolhaBV

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