Autor: Jaime Brasil Filho *
Gosto de tratar de assuntos que possam servir para melhorar o presente e o futuro, por isso não entrei no mérito do debate sobre a decisão do STF sobre a Raposa-Serra do Sol, pois já é fato consumado, cabendo a alguns o popular “jus sperniandi”, grosseiramente: o direito de espernear.
Pelo mesmo motivo tratei rapidamente com o editor-chefe deste periódico sobre a data de 31 de março, ou seja, os 45 anos do golpe de 1964 e suas funestas conseqüências para o Brasil e Roraima, mas pensei em não escrever sobre isso, pois, afinal, poderia se tornar um debate estéril para todos, mas, confesso, não vai dar.
É que a greve dos policiais militares em Roraima aconteceu justamente no “aniversário” do golpe, e o que isso tem a ver? Tudo. Um dos fatos que contribuíram para o golpe foi o motim dos marinheiros (cabos e soldados) liderados, inclusive, pelo “Cabo Anselmo”, que depois viria a ser acusado de atuar como agente duplo.
O fato é que Jango mudou o ministro da Marinha e mandou soltar os marinheiros que haviam sido punidos, o que enfureceu os oficiais mais graduados das Forças Armadas.
A partir do golpe, o regime militar aumentou as proibições de livre organização para que os militares de baixa patente ficassem bem distantes de atividades políticas.
De maneira geral toda repressão, de qualquer aspecto das liberdades humanas, traz uma transgressão, é por isso que a esquerda da época buscou a luta armada, porque os meios democráticos e institucionais foram criminalizados pelo regime militar, é assim: se eu tenho opiniões diferentes e não posso expressar, se eu quero viver num mundo diferente e não posso construí-lo, o que eu faço? Vou ao encontro de outros meios para que eu possa existir com plenitude.
Nos anos noventa me caiu nas mãos um livro da Escola Superior de Guerra. Eu nunca tinha visto antes tantas idéias obtusas e limitadoras das potencialidades humanas, depois eu vi um ainda pior que se chama “Máfia Verde”, onde são atacados todos os humanistas que existiram, só faltou atacar Jesus Cristo por pregar a solidariedade e a igualdade.
Claro que todos esses textos tinham um conteúdo anti-comunista, mas não era só isso, era de um positivismo tacanho, rude, e mesmo Auguste Comte ficaria ruborizado. Também é óbvio que o pensamento dessas cartilhas não se baseava na dialética histórica, o problema é que o pseudo-positivismo que ali estava, na verdade, era apenas um mecanicismo primário apropriado aos mais parvos e que fazia coro à doutrina de segurança nacional desenvolvida pelos gringos da Escola das Américas.
A questão é que já está na hora de se falar abertamente em democratizar as organizações militares, todos são cidadãos que devem ter direitos à livre expressão e à reivindicação de seus direitos, não apenas por meio de seus familiares, mas diretamente e permanentemente, como toda e qualquer categoria profissional. Qual é o medo?
Uma coisa é a hierarquia e a disciplina internas, outra é a ação externa das categorias que querem dialogar com as classes dirigentes e com a sociedade sobre suas condições de trabalho e suas remunerações, uma não atrapalha a outra. Em sentido contrário, tudo dá errado porque com a proibição de uma ação política livre os comandantes, e a sociedade, se confundem e se questionam quanto à obediência dos princípios que regem a vida dos militares em suas atividades, mas essa confusão só ocorre porque não há um canal democrático, oficial e permanente de diálogo.
A história é assim, senhores, ela nos persegue. O golpe de 1964 roubou uma parte da alma brasileira, colocou no poder, durante mais de duas décadas, apenas a parcela mais conservadora, antidemocrática, atrasada e reacionária para governar o Brasil. Depois manipulou a transição para que o poder não saísse da esfera dos poderosos como ACM, José Sarney, dentre outros, sem falar nos donos do poder econômico deste país, que só obtém sucesso com grandes favores políticos.
Assim, o Golpe Militar ajudou a perpetuar a lógica da Casa-Grande sobre a Senzala que, aliás, desde que eu nasci tem uma pior educação pública a cada dia, uma pior saúde pública, e um povo mais alienado.
Mas, para provar que o melhor método para se analisar a realidade e se propor soluções é o pensamento histórico-dialético, e não o positivista, aí estão os policiais militares de Roraima mostrando que não é a ordem que traz o progresso como achavam os positivistas brasileiros do século XIX, mas é a harmonia que gera a paz social, e harmonia significa aceitar a atender com igualdade a todos, de maneira dinâmica, respeitando e contemplando as suas diferenças.
* Defensor Público
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